quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Retina

Manhã de terça-feira, caminhando pela rua, vi a moça sair do prédio. Seus cabelos molhados, seu terninho preto, seu ar cansado e seus tantos quilos a mais deixariam passar a atenção do transeunte. Seu ar comum facilmente a camuflaria no meio da rua vazia. O sol forte, refletido na Baía, chamava mais a atenção para a beleza do dia do que para a beleza que sua leve corcundinha escondia. Lado direito da rua, adiante.
No caminho oposto, confesso, ele chamou atenção. Alto, cabelo rente, a roupa social figurava mais uniforme que elegante. Seu olhar fixo suspirava preocupação. Ou nada mesmo, não sei precisar. Vinha do lado direito.
Ela ia... ...Ele vinha.
Ela foi. Ele também.
Eu passava, eles passaram antes de mim.
E foi então que eu vi.
Os olhos dele acompanharam a beleza escondida por baixo dos cabelos molhados no ombro. Seus olhos, apontando para baixo, não suspeitaram daquilo que os meus foram testemunhas.
Depois da rápida mirada, do olhar que escapava um pequeno e suave sorriso, ele retomou sua caminhada. E foi. E ela, partindo de seu olhar baixo, melancólico, curvado, olhou para trás e deixou escapar um pensamento infeliz, sozinho. Pensou na solidão, no almoço, talvez. Na meia furada, na janela esquecida aberta. Ou no transeunte tão bonito, tão bonito pra ela. O seu mesmo que lhe tinha mirado, admirado.

***

Nossos olhos caminham na fugacidade, se perdem em um mar de visões. É bom parar a mirada de vez em quando, registrando na retina as passagens da vida real. E depois, com os olhos do papel (ou do écran, tanto faz), fazer História com essas moventes paisagens.

domingo, 7 de agosto de 2011

No te calles

Le tengo rabia al silencio,
por lo mucho que perdí.
Que no se quede callado,
quien quiera vivir feliz.

Un día monté a caballo
y en la selva me metí
y sentí que un gran silencio
crecía dentro de mí.

Hay silencio en mi guitarra,
cuando canto el yaraví
y lo mejor de mi canto
se queda dentro de mí.

Cuando el amor me hizo señas,
todo entero me encendí
y a fuerza de ser callado,
callado me consumí.

Le tengo rabia al silencio,
por lo mucho que perdí.
Que no se quede callado,
quien quiera vivir feliz.

(Atahualpa Yupanqui - Canção do folclore argentino)

segunda-feira, 18 de julho de 2011

O presente mais lindo

Poema Barroco

Cedo, ela lhe contou sobre o amor.
Mas, como se aprende a amar, sem saber o que é saudade?
Os dois são amigos que se vêem rápido, feito sol e lua.
Um, claro e forte; outra, linda e triste.
Saudade é querer que o tempo faça diferente.
Amor é o Tempo querendo da gente o mesmo,também.
Tempo não precisa de ninguém.
Saudade precisa de um.
Amor, de dois.
Vinte dias de luz, menos dias de sombra.
Amor e saudade, dia e noite.
Um só chega quando o outro sai...
Ouro que vira prata, e quando o tempo vira nada
Os dois se fundem em um terceiro:
O querer (esse sim o mais valioso) eterno.

domingo, 17 de julho de 2011

Revisão

Todo texto precisa ser revisado, antes de ser publicado. Até mesmo aqueles que são cuidadosa e demoradamente escritos, rascunho após rascunho, por toda a vida. Em determinado momento, o autor (perdoe-me, Umberto Eco, não precisa ser nenhum modelo para fazer pensar nisso) apercebe-se dos seus erros e se dedica, enfim, a reescrever as partes falhas. Percebe ele, então, muitos, infinitos falhanços. E percebe, triste, que as falhas dos outros que tiveram início em si são profundamente dotadas do seu próprio arrependimento... Mas que as falhas inerentes dos outros, aquelas nas quais ele não pode tocar, mexer, apagar, essas são irreparáveis.

Só há duas possibilidades, nesse caso: 1) Aprender a com elas conviver ou 2) Arrancar a página do caderno, forçosamente, e substituir o vácuo da narrativa, mais à frente, por outros enredos. Afinal de contas, nada (nem ninguém, especialmente) não é digno de substituição.

Mas o sujeito-autor que se quer de papel, pobre destino, é também uma falha em pessoa, cujo primeiro dos erros é o medo de errar. E nisso ele considera, cogita, perde noites de sono. E disfarça, e sorri, e desabafa com os mais chegados. E qual é sua decisão? Escrever para organizar. Para pensar e refletir. Para, enfim, acalmar.

Talvez ele escreva pelo medo da solidão (e as palavras são companheiras perfeitas. Uma vez com elas, sempre ao lado delas, basta solicitá-las). Amigas presentes, convocadas através do mais profundo silêncio, vêm devagar e entram na cabeça do autor e fluem por suas rápidas mãos. E, como jorros de sangue (ou lágrimas que teimam em não se desprender dos olhos reais), vão, mimeticamente, reproduzindo os movimentos que o coração gostaria de fazer, mas não pode.

O conjunto universo que envolve o autor, seu eu-lírico, quem sabe? Ou um exoesqueleto de palavras e sentimentos? Enfim... ISTO sugere, humildemente: "Deixe passar. Não se desfaça de nenhuma personagem. Mostre a si mesmo que é capaz de continuar escrevendo, a história está ficando boa, vá em frente."

E ele, reticente, aceita a sugestão.

Não há o que fazer. Impossível: voltar no tempo, modificar personalidades adultas, desfazer amores, olhar-se sem um espelho.

Deixa, enfim, estar. Convoca a banda que gosta: "deixa ser/ como será/ tudo posto em seu lugar.../ numa moldura clara e simples/ sou aquilo que se vê".

Mas ele não se vê e, por isso, vai se deixando refletir através dos olhos dos outros. E quem será ele, ao fim e ao cabo, se não tiver espelhos carnais por quem venha a se mirar, a se escrever e a produzir?

Deixa estar.

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Mais simples ainda

No calor:

Sob a luz do sol, sentir o calorzinho entrar pela pele e aquecer o coração.
Isso tem ligação direta com o sorriso, que brilha, brilha, refletindo a luz do Astro Rei.